POR QUE PAGAMOS IMPOSTOS SOBRE ALGO QUE JÁ É NOSSO?

Publicado em: 4 de maio de 2022

Por: Felipe Schmidt Zalaf

Quem é proprietário de imóvel recebeu recentemente o IPTU e quem é proprietário de veículo já teve de providenciar o pagamento de IPVA no início do ano.

Sem adentrarmos na tecnicidade do sujeito passivo do imposto ou de sua regra matriz de incidência, quem for proprietário de um imóvel ou de um veículo terá de pagar IPTU e IPVA, respectivamente, todo ano enquanto proprietário.

O cerne deste texto está no fato de que, independentemente do tempo em que você é proprietário do bem, o imposto será devido e cobrado. Mas por que e para que isso ocorre?

É bom lembramos a essência do surgimento destes impostos em específico.

O IPTU foi criado inicialmente com o nome de “Décima Urbana”, por meio de um Alvará instituído em 27/06/1808, pelo então príncipe Regente João Maria, que mais tarde viria a ser o Rei Dom João VI, com intuito de suprir os cofres da Corte Portuguesa recém chegada ao Brasil. Em 1834, a competência de se arrecadar a Décima Urbana se descentralizou e passou para as províncias.

Com o advento da Constituição Federal de 1891, a competência para instituir o imposto incidente sobre a propriedade imobiliária rural e urbana passou para os Estados-Membros, porém, a Constituição não anulou a possibilidade de cobrança municipal. A divergência acabou com a Constituição de 1934 que estabeleceu a competência somente aos municípios.

Em sua origem o tributo dividia-se em dois: o imposto predial e o imposto territorial, sendo unificados apenas com a Constituição de 1946. Em 1988 – atual Constituição Federal – foi consagrado o princípio da função social da propriedade e caracterizou o IPTU como um imposto municipal para contribuir para o custeio de obras e para o desenvolvimento dos municípios.

Nesta linha, há uma diferenciação dos valores cobrados aos contribuintes proprietários de imóveis que não contribuem para o desenvolvimento da função social, ou seja, há um mecanismo que prevê a elevação gradual do imposto municipal para forçar proprietários a darem uma destinação social para os imóveis (aqui se consagrou também o princípio da capacidade contributiva e da progressividade).

O IPVA surgiu para substituir a antiga TRU – Taxa Rodoviária Única – criada em 1969, cuja função era financiar a expansão das rodovias brasileiras, ajudando o governo da época nas construções e conservações da malha rodoviária federal. O IPVA foi criado em novembro de 1985 e, diferentemente da TRU cujo valor arrecadado era destinado para o investimento e criação de rodovias, o IPVA, por sua vez, não possui relação com a prestação de serviços, no entanto, é utilizado para despesas na administração pública. Atualmente a arrecadação do IPVA está sob responsabilidade dos Estados.

Na realidade, atualmente ambos os impostos são de cunho meramente arrecadatório e de cobrança obrigatória junto aos contribuintes, independentemente de suas histórias de origem, ou seja, tais impostos perderam a essência de suas finalidades iniciais (mesmo que nobres).

Curiosamente, estes impostos são incidentes sobre a propriedade que se enquadra como fonte de patrimônio do contribuinte, o que vem na linha mais inovadora e atual de cobrança de tributos no mundo e no Brasil (mais concretamente difundido nas propostas de reforma tributária, tais como a PEC 110/2019, PEC 45/2019 e PL 3887/2020).

As propostas de retificação na forma de se arrecadar tributos estão voltadas às regras matrizes de incidências tributárias sobre o patrimônio, renda e herança, deixando de se tributar sobre o consumo. E é aqui que se busca equalizar, simplificar e trazer uma justiça fiscal no sistema tributário.

Mas, até lá, o que revolta os donos dos imóveis e dos veículos é que tais bens para serem adquiridos e torna-los próprios, já vêm carregados de encargos fiscais, tais como IPI, ICMS, ITCMD, ITBI, licenças, etc, a depender da operação de compra.

Assim, muito embora tais pontos sejam relevantes para nossa reflexão, atualmente a imposição de tais impostos sobre aquilo que já é nosso, é legal e constitucional, conforme nosso atual sistema.

Por isso, traz aos contribuintes a real sensação de injustiça, fazendo-nos a sempre lembrarmos da música do saudoso Raul Seixas “tem de pagar pra nascer, tem de pagar pra viver, tem de pagar pra morrer”[1].

[1] https://www.letrasdemusicas.fm/raul-seixas/pare-o-mundo-que-eu-quero-descer
Fonte: Tributário